segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

De uma Maria para um João.

Querido João, sinto sua falta.
Como tantas outras Marias sentem falta dos seus Joãos.
Como tantas outras mães que acodem o grito dos seus filhos na promessa de comida na mesa. Como tantas outras esposas que sentam na beira da cama e choram em silêncio à beira do abismo. Como tantas outras trabalhadoras que rezam por uma gota d’água na seca do sertão. Como tantas outras que suplicam à Deus em vão. Como tantas outras de pele rachada que vendem tudo o que têm para ter menos ainda. Como tantas que só esperam.
Sou como tantas Marias que desejam ser Julieta. E você é como tantos Romeus inventados.
Mas sinto sua falta, João. João você. João meu. João único.
E cansei de pensar em quantas léguas nos separam, quantas estações nos distanciam. Quantas paisagens, quanta gente... Quanto tempo.
Com a força de todas as Marias, peço que você volte. E com o meu amor, peço com urgência. Volte, João.
A saudade já contornou o mundo em busca de seu sorriso caminhando pela estrada.
Espero que ela tenha o encontrado,
Sua Maria.

domingo, 1 de dezembro de 2013

Pó.


Talvez sejamos um nada. Um nada que guarda tudo dentro de si. Veja bem, um vaso – por mais vazio que esteja – sempre estará cheio de ar. E no ar há uma infinidade de coisas. Talvez sejamos tão ineptos quanto éramos há dois milênios. Afinal, hoje conhecemos a lua, porém não podemos explicar como as pirâmides egípcias foram construídas. Montamos teorias e conspirações em cima de suposições controladas.  Por conta dessa exatidão matemática em não explicar os por quês do universo, criamos divindades para justificar nossa ignorância... E ainda batemos no peito com orgulho por nos autodeclararmos evoluídos. Por que assim seríamos? Se um vírus ou bactéria pode dizimar a população terrestre inteira em poucos anos, por que somos nós os evoluídos? Da peste bubônica à AIDS, milhares de milhares de pessoas se tornaram pó. E ainda se tornam, todos os dias, apenas pó. “Se já somos pó, qual a diferença existente entre vivos e mortos? Os vivos são o pó levantado pelo vento, os mortos são o pó caído.”, Pe. Antonio Vieira. E quem há de discordar? Tudo, no final (se é que se existe um) se torna uma partícula insignificante na história. Todas as coisas boas e ruins que fazemos são como um grão de areia na praia. Ordinário, mas capaz de cegar alguém dependendo da velocidade a qual é atirado contra a pupila. Incontáveis. Grãos de areia são tão imensuráveis como gotas d’água oceânicas. Entretanto, o ser humano já inventou um número que faz da areia e da água coisas grandes. Mas o que é realmente grande perto da imensidão extraterrestre? Mistério. Aliás, somos o mistério. Não nos conhecemos, quem dirá o resto do mundo... Talvez deveríamos ser menos mesquinhos. Talvez se a ganância fosse substituída pela humildade socrática, nós enxergaríamos alguma coisa. Somos seres inconscientes da própria catatonia. Estímulos externos podem confundir os sentidos. Vivemos na caverna de Platão. A solução? Ela não paira na abertura dos olhos ou dos ouvidos, mas na libertação da mente.

sábado, 30 de novembro de 2013

Trupe.

Oferecemos ao público
nossas rimas triviais,
nosso brado de silêncio,
nossas emoções banais,
em troca de um único aplauso.
Agradecemos ao tempo
por nos mostrar que a paisagem
de um andejar sem destino,
paga qualquer viagem,
enfeita qualquer caminho.
E, enfim, pedimos aos céus
um bocado de tristeza,
porque se não formos um tanto tristes
nunca entenderemos a beleza
de uma vida realmente feliz.
Uma máscara.
Um holofote.
Um palco.

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Mãe Terra.

A chuva era tão forte que mal se diferenciava os pingos d’água. Eram infinitas colunas cristalinas que cortavam a noite à mercê do vento. Uma neblina violenta descia junto às enxurradas chicoteando o que houvesse no caminho.
Medo.
A natureza em colapso com o espaço urbano era aterrorizante. Trovões urgiam para a civilização. Raios rasgavam as estrelas. O clarão impiedoso assustava até os arranha-céus. O asfalto se transformara em um rio negro de entulhos. Tudo padecia à sua força.
A fúria do planeta, como diriam erroneamente os jornais do dia seguinte, enfim destruíra a cidade. Porém a tal fúria não existia, era apenas saudade. A natureza sentia falta
de ser água,
de ser vento,
de ser fauna,
de ser fogo,
de ser terra,
de ser flora.
Saudade de ser a nossa mãe.

sábado, 2 de novembro de 2013

Silêncio.

Resolvi ficar na quietude.
Instantes apenas.
Minha voz atrofiou
no eco do vento.
Rouquidão.
Não existiam mais gritos
em meus poemas.
Silêncio não é coisa desse mundo.
Tudo se movimenta no vácuo,
mas no vácuo não tem som.
Um nada extraterrestre o seria.
Solidão.
Abracei meu travesseiro
e dissequei meus dilemas.
Problemas, problemas, problemas.
Como se cala a boca de dentro?
As minhocas são barulhentas.
Mente, minta para mim
e me dê repouso.
Conte-me uma mentira
que sussurre nos meus ouvidos...
Não,não diga!
Sem vozes.
Cem vozes na minha cabeça.
E pensar que eu só ansiava
um minuto sereno...
Ganhei uma serenata
sem querer ganhá-la.
Música barata.
Amor sem tempo.
Que coisa é essa de sentimento?
É balburdia, é alarido.
Barulho excessivo.
Porém, algazarra - não quero mais.

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Seja.

Deixe a tentativa de ser de lado e apenas seja. O mistério da existência não se limita à vida. Existe-se por toda uma eternidade. Duas, três ou infinitas conforme for preciso. Não procure uma personalidade, crie. Mas não pense. Invente a mais singular criatura na inércia do tempo. Faça desse instante uma obra faraônica.  Sinta cada gota de sangue circular em suas veias revigorando músculo por músculo. Os nervos começarão a voltar paras as entranhas da pele, sinta. A paz formigará atrás da nuca e descerá pela espinha. Ouça o silêncio sussurrando sons de nada. No vazio equilibra-se um mundo pessoal. Não há motivos para se acanhar, abrace a solidão passageira. Companhia na perpetuidade – sim, é ela. A morte será apenas uma parada para reabastecer as energias do espírito. O corpo jaz na Terra e a alma corre para o espaço. Anos luz para apenas ser sem consciência. Saiba o que está sendo no agora. Não existe um fim, mas não se volta para o começo. A realidade é apenas uma lembrança.

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Maktub.

Fui escrito num guardanapo usado. Com um número de telefone qualquer esperando para ser discado.
Fui escrito na porta de um banheiro público.
Fui escrito numa carteira escolar envelhecida. Com um compasso me incrustaram entre o desinteresse e o tédio.
Fui escrito em uma nota de dois reais rasgada.
Fui escrito no tronco de uma árvore secular. Com as juras de amor me criaram romântico desembestado.
Fui escrito nas entrelinhas de uma carta.
Fui escrito no rodapé de um caderno. Com a inspiração inesperada me fizeram mistério lírico.
Fui escrito de batom num espelho.
Fui escrito num muro mal pintado. Com a raiva de um povo abandonado pelo seu governo me transformaram num grito.
Fui escrito em uma partitura.
Fui escrito por agulhas na pele queimada de sol. Com a arte me marcaram na eternidade.
Fui escrito e nada me apagará.

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

A vida de um infortunado.

Sobreviveu a desventura de nascer.
O estrebucho de desespero que ilustrou sua chegada ao mundo empírico foi a previsão de uma vida vulgar.

Encontrou-se na pureza da infância.
A momentânea salvação da malícia mundana possuía gosto de goiabada com queijo fresco. Lambuzava os beiços naqueles dias de felicidade plena.

Descobriu o infortúnio de crescer.
A cachoeira de responsabilidades grotescas o afogou sem misericórdia. Desfrutou dos sete pecados que regem o povo e acabou numa classe sem privilégios.

Entregou-se, enfim, aos vícios.
A desilusão abrigava um coração partido. Adiava o vazio no peito com a cachaça barata de um botequim hediondo até que o raro salário evaporasse.

Expirou.
Sem prantos esperneados, dívidas ou amores; achou tudo o que mais ansiara. Na morte, teve a sorte de um sonho infindável.

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Nota para petit.

O mundo, como sabes, é plena inconstância. E se o amor é o mundo de quem ama, entende quando eu partir.
Explicam-me a maré com a lua, explico-te o bem querer com a mesma. Chega mansinha de noite em noite, cresce a cada toque. É esplendorosa quando cheia, hipnotiza os olhos de quem toca e os faz reféns. Sai devagarzinho como se nada a tivesse cativado, foge da luz do sol rei.
Fujo da luz do teu sorriso, petit. Perco-me quando posso e tu sempre encontras a mim. Mas frequentemente aperta o peito, a saudade, e me salvo em ti. 

segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Melindrosa.

Admirava seu reflexo com ar narcisista. Rosto esculpido no pó de arroz, lábios banhados no mais rubro dos batons. Os olhos artificiais escondiam os mistérios de ser mulher. O tabaco consumia os pensamentos, a bebida queimava a garganta.
Já era hora de entrar no palco numa noite como qualquer outra, num botequim como outro qualquer. A moça deixou seu desespero junto da penteadeira empoeirada e se entregou aos holofotes.
Sua voz fazia cantar parecer natural. Para ela... Era. Jogava as notas a esmo junto aos sopros metálicos e à paixão exuberante do jazz. Arrancava as tripas d’alma e esparramava-as aos pés do público soberbo. O saxofone a vestia com a loucura de ser. Seus pulmões clamavam por arte e recebiam humildes uma rajada de ar.
Era musa. Era melindrosa. Era a própria música.
Era o som dos aplausos ao anoitecer.

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

O que eu estou pensando?

Bom, as estrelas são bonitas, é verdade. Entretanto nada se compara com o cheiro do café quentinho. Queimei a língua, dona Lua. E essa gente toda olhando meu reflexo prateado? Ouçam os grilos dançando ao vento. Fique quieta televisão, quero ver o mundo. Agudo e arrepiante. Virei mais uma página. O que será? O papel está sangrando. A janela descascando. Vejam, será um cometa? Espero que a manhã tarde. E quando será que ele terá um dia com a noite livre? Para mim, tudo. O bolo tostou. Vazio. Vocês ainda estão me observando? É primavera. Miaram no vizinho. Eu sinto todos. Uma rosa te possui. Já é hora de... Tic, tac. Adeus, quadro natural. Gemeu a escada. O que nesse planeta não canta? Água fresca da fonte desmoralizava meu corpo. Os mesmos degraus da subida desciam. Um impulso elétrico. Luz do sono. E as chaves? Entrelacei-me no lençol egípcio. Os faraós estavam trancafiados. Estou em Roma? Prazer, Cleópatra. Estou no sertão? Asa branca, conte-me como é voar. Ah, é! As estrelas...

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Don Juan.

Ele desvirtuava as moças mais prendadas.
Arrastava-as para o inferno
e as consumia como fogo
consome palha.
Num toque, num ósculo
já eram damas da noite
e no êxtase sem volta
perdiam-se nas chamas ardentes de sua casa.
Queimavam os corpos no seu peito rijo
ao implorarem por clemência.
Porém misericórdia não era de seu feitio
e o olhar estático
as devorava.
Rendiam-se, as mulheres, com almas inermes ao leviano nobre.
A paixão à flor da pele,
o sangue pulsava desnorteado.
Como seria possível amar verme tão repugnante?
Desejavam-no como se deseja pão na miséria
e num instante
ele as fazia se sentirem fartas.
Assim, no ritmo embriagante das castanholas
Don Juan triunfara num jantar de inverno.

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

BANG!


BANG!
uma vida tirou
sua existência apagou
o talento escorreu
por sangue abaixo.
BANG!
sucumbiu ao sucesso
sem controlar os excessos
escolheu o regresso
ao mundo onírico.
BANG!
um ventre chocado
com o grito abafado
o vizinho ao lado
todos em prantos.
BANG!
a saudade de outrora
acertou sem demora
e manchou a aurora
com lúgubres lamentos.

domingo, 8 de setembro de 2013

7/9

Separados da metrópole lusitana,
mas extremamente dependentes
da corrupção paulistana.
Quando deixaremos de ser escravos da covardia?
Quando o império de vigaristas declinará?
Meu povo, cadê a valentia?
Tem doutor importado,
tem manifestante mascarado,
mas parece não ter lei no Senado.
Quando vão honrar a pátria amada, a mãe gentil?
Quando as vaias se tornarão aplausos?
O que me diz, Brasil?

terça-feira, 3 de setembro de 2013

Compostura.

Se me tirarem o amor
fico nua.
Caso tampem o sol
viro lua.
Assim que destruírem minha casa,
refaço-a da rua.
E perambulo pelas entrelinhas
sem qualquer compostura.
Persuadem-me do contrário,
porém protesto a censura,
pois não é com pudor que se faz literatura.

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Vitória de Pirro.

Fora outra vitória de Pirro? A referta miséria fora erradicada? Adiantara enfrentar um mundaréu de chaminés petrolíferas para se trancafiar em um cubículo de máquinas e carpete? Trouxe a tal da felicidade? Ou satisfação financeira? Reconhecimento social, talvez… Mas se o espírito era necessário, mal havia nexo. Não era a poesia que alimentava a alma? A música, as praias, as montanhas e vales… Precisávamos fazer arte para concretizar a esperança e estávamos todos lá, na selva de concreto. Queríamos o regozijo, porém mal víamos o sol. Como seria possível tal paradoxo? Existir sem a fonte vital… Quanta alienação era vendida nas ruas? Quanta ignorância cabia na nossa juventude? Diziam que aquela realidade fajuta se chamava vida. O que sabiam aqueles infortunados? Que entediam sobre viver? Nasceram e morreram na mesma caixa, nós a demolimos. Talvez seja por isso que ainda respiramos, não temos fuligem nos pulmões. E estamos aqui a destino de que? Sermos velhos hipócritas que vivem das glórias passadas? Que glórias? Não há nada que não tenha se perdido na arrogância do pseudoconhecimento. Vencemos os anos a que custo se não a própria morte? Amamos qualquer lembrança como se não fossemos egoístas e nos agarramos a qualquer promessa como se nunca houvéssemos as quebrado. Cadê a liberdade do lado de fora? Onde fomos parar?

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Carta a Tereza.

Tereza,
Não sei quem és e muito menos sabes quem sou. Ouvi dizer que fazes do Leblon teu mundo e da orla carioca tua casa. Seria verdade? Espero que sim, pois, caso contrário, minha carta não teria propósito algum para ser escrita. És a Tereza certa? Tens pele morena e cabelos castanhos? Lúcio me contou sobre uma pinta também. És tu, Tereza? Dick mandou lembranças aos teus olhos incrivelmente verdes. Sentem tanta saudade daqueles verões e invernos, os quais passaram juntos de ti, que até eu sinto tua falta.
Entretanto, tu pertences à praia, não é mesmo? Às ondas, ao sol, ao mar e aos poetas... Brincaste entre as cordas vocais de Jobim,  Blanco, Chico, Caetano, Roberto e, claro, Dick e Lúcio. Não sei se tu deverias sentir vergonha ou satisfação. O que sentes? Que pensas? Só penso na utopia de ti.
Não componho rimas sobre nada, mal sei cantar um sol. No entanto, posso te oferecer a simplicidade de ser ninguém. Gostarias de não existir entre as sombras da fama, Tereza? Numa casinha, num lugar qualquer. Sem problemas ou hora para atrapalhar. Deixa a moça de areia em algum lugar da cidade maravilhosa e vem ser apenas mulher. Permite-me ser tua solução para a dor de uma vida vazia. Um mundo vasto de nós nos espera.
Aguardo, na ansiosa solidão, a ti.
Do teu desconhecido admirador,
Raimundo.

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Anagramas.

Omar era marinheiro.
Navegou até Roma
e agora mora por lá.
Deixou ao seu amor
um ramo de saudade.
A fim de ser feliz,
pediu forças a Deus
e disse adeus para o mar.

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Outono.

Os adjetivos mudavam. As árvores se despiam mais uma vez. Centenas de guardanapos viravam poesia. Copos eram jogados goela abaixo em busca de redenção. Acordes lúdicos dedilhados nos corpos esculturais das mulheres personificavam os desejos de uma marcha. Dançava-se tango nas quitinetes paulistanas, mas em qualquer frequência se esbanjava a inocência da jovem guarda. Vivia-se na incerteza dos preços, debaixo dos panos de iê-iê-iê. A poluição se misturava com as chaminés de tabaco avermelhando os crepúsculos diários. Eram tempos difíceis, hoje são de saudade. Trabalhávamos num cubículo, agora o somos. Robotizaram o mundo, nos despejaram da nossa própria realidade. O limbo social da nostalgia já é a nossa casa. 

domingo, 4 de agosto de 2013

Amanheceu.

É madrugada.
As estrelas me servem de companhia,
tanto o Cruzeiro do Sul
como as famosas Três Marias.
Vejo-me Medusa, mas peço
a Zeus para ser quimera.
Não quero me limitar em ser uma só.
Sou o infinito.
E que o cinturão de Órion
seja deslumbrado por isso.
O sem fim rende-se ao palpável.
O mundo é mais bonito,
quase inigualável.
Que sonhem os exagerados,
pois beleza não alimenta a alma.
Com os lábios lambuzados de poesia,
vejo o prata escaldante amar a noite.
De repente, num passe de mágica,
numa troca de fantasia,
sem pedir licença ou ter cortesia...
Amanhece.

quarta-feira, 31 de julho de 2013

Bossa nova.


Um tapete estrelado inundava as noites místicas da bossa nova. Malandros sapateavam de bar em bar em busca de qualquer coisa fiada. A ociosidade era quase palpável nas calçadas cariocas ao som inconfundível do bonde apressado.  Poesias nasciam do encanto dos boêmios, melodias sussurravam nos ouvidos dos amantes. O samba era amor, o samba era saudade. O Cristo se rendia àquela vivacidade. E a orla salgada, aos navegantes.

quinta-feira, 25 de julho de 2013

Escritores.

Façam silêncio.
Silêncio por todos os poetas de bar e escritores de guardanapo.
Silêncio por todas as frases nos cantos dos cadernos.
Silêncio por todas as rimas apagadas ou simplesmente esquecidas.
Agradeçam.
Agradeçam todos os romances, crônicas, contos, poesias e fábulas.
Agradeçam todas as notícias, artigos, reportagens, teorias e opiniões.
Agradeçam todos os filmes, peças, séries, cantigas e musicais.
Aplaudam.
Aplaudam todos que já se foram com louvor e marcaram a história.
Aplaudam todos que ainda respiram e recriam a literatura todos os dias.
Aplaudam todos que apreciam a arte de escrever.
Aos escritores, minha eterna contemplação.

quarta-feira, 24 de julho de 2013

Violinista.

As nuvens cinzentas se fundiam com o horizonte. O cão revirava o lixo, o gato fazia deste um abrigo. A serragem típica de julho era um vapor gélido. Ruas vazias de gente, cheias de chuva. Ouvia-se apenas o correr dos carros e rios. Casas térmicas, famílias risonhas. O café era forte como almas e quente como sangue. Dividia-se o pão como se havia feito há milênios. Salvos pelo capital e condenados pelo mesmo. Ao menos alimentava o corpo. E a promessa de liberdade mantinha o espírito. Um gemido musical tomava o fundo da residência. Flores no jardim se maravilhavam com a melodia. O desespero consumia as notas. Era um grito de socorro, um choro de alegria. A filha mais nova manuseava o violino como se fosse artilharia. Bombas ilógicas, aplausos. A orquestra de uma só se encerrou dando lugar à vida.

segunda-feira, 22 de julho de 2013

Jabuticabal.

Havia um poema escrito naquele olhar.
Cativava a alma.
Buraco negro, cor de ébano,
tão profundo quanto conseguia ser.
Sincero e um tanto sagaz.
Era fechado à proporção que
abria um sorriso nos outros.
Ninguém era permitido decifrá-lo.
Tinha um tipo de brilho inocente
com um sei lá o que de malícia.
Ai, aquele olhar.
Eu seria capaz de cruzar oceanos para vê-lo novamente.
Percorri incontáveis jabuticabais
procurando frutos tão sorumbáticos quão os olhos daquele moço.
Nada encontrei.
Agora, olho o breu da madrugada,
desejando ser o pouso do corvo,
do corpo sombrio.

segunda-feira, 15 de julho de 2013

As flores e a Rosa.


Amei muitas criaturas,
cores, mulheres, flores dengosas...
Mas não, jamais, meus senhores,
tive o deleite de conhecer uma rosa.
Violeta era minha cigana mulata,
qual acreditava em baboseiras da sorte.
Um dia, leu meus lábios rachados
e junto deles avistou apenas a morte.
Ao raiar de mais um sol dormente
conheci a doce e bela Margarida.
Aconteceu que os zangões era muitos
e os cachos dourados logo deixaram minha vida.
Numa noite quente de Ipanema,
fui me deslumbrar por uma pinha.
Só podia ser fruto do infortúnio...
Era a garota do Poetinha!
Até nos abraços da Azaléia
meu coração continuou solitário e frio.
Não bastaram mil damas-da-noite
ainda estou vazio.
Portanto insisto em buscar desesperado
em todos os asteroides e roseiras
o vermelho enlouquecedor e atraente
de uma paixão verdadeira.

sábado, 13 de julho de 2013

Não é o fim do mundo (ainda).

Mesmo que a prosa tenha transmutado poesia
ou o amor se tornado melancolia,
o mundo não parou.
Mesmo que a plantação tenha secado
ou meu pileque acabado,
o fim não chegou.
Mesmo que eu tenha ido embora
ou o dentro virado fora,
o dia anoiteceu.
Por fim, nada importa,
pois a vida é essa estrada torta,
onde toda multidão um dia já se perdeu.

quarta-feira, 10 de julho de 2013

Impressionismo.

Eu via o infinito. A serra costurava o horizonte e se entrelaçava com a abóbada celeste. Quase como num quadro, verdes e azuis eram um só. A vista, muito melhor que a mais cobiçada paisagem de Monet, tinha meus próprios olhos. Cada nuvem transmitia um sonho, o cheiro de mato fresco lembrava infância...
A melodia serena não era quebrada pelo papaguear das pessoas. Ouviam-se apenas pardais, tico-ticos, tizius, bem-te-vis e o assovio da brisa gélida. Foram minutos de paz profunda, quando não existia amanhã, tão pouco ontem. Nada mais era relevante naquele momento, ele em si bastava para perdurar na eternidade.

quinta-feira, 4 de julho de 2013

A máquina de escrever.

Engraçado como depois de alguns anos qualquer som vira verso, pessoas nascem personagens e amores, poesia. Escrever passa a ser necessidade, uma torneira esquecida aberta que fica lá, com o fluxo inconstante, ora escorre ora pinga. O fardo de segurar a vida do leitor nas mãos aliena um pouco, nunca se sabe o que seus versos despertarão no outro. E a prosa? Ah, a prosa é solidão, é companhia. Rosa é mulher, mulher é bicho, bicho fala, falar é melodia. Ser poeta dever sina ou anarquia, viver nesse barco a vela sem ter onde ancorar dá certo frio na barriga. Tudo ri, tudo rima. Até parece um beco sem saída, quatro paredes de um quarto lógico, a cama amarrotada, a fama descartada. Sem janelas para fora, apenas duas para dentro d’alma. Quinas na penumbra, a máquina meio enferrujada... Tec, letra. Tec, outra letra. Tec, mais uma. Tec, ponto final. Fim.

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Talvez fosse um vício.

Olhei meu reflexo no espelho do elevador e vi que a barba estava a fazer, minha gravata frouxa, minhas olheiras mais profundas do que nunca... Eu precisava ir para aquilo que chamava de casa. Fui rastejando até o carro, abri a porta num ranger violento e me joguei no assento de quase concreto. Após uns dez longos minutos de resmungos, a lata velha resolveu funcionar e segui para o congestionamento paulistano. Pensei em passar numa lanchonete, mas naquela altura do campeonato, depois de duas horas buzinando, minha fome havia sido arrancada como se tira o filho dos braços maternos: sadicamente.
Ao subir as escadas deparei com o vizinho e uma de suas companheiras, ela tinha uma beleza forçada e olhar desesperado, gritava por uma saída daquela vida fútil e vulgar. O velhaco do apartamento (ironicamente) 51 tinha uma acompanhante por noite; eu sinceramente não sabia de onde saiam todas aquelas mulheres... Parei de frente a minha porta, suspirei e girei a chave.
O ar úmido e frio era o mesmo, o qual deixei pela manhã... Eu realmente esperava algo de novo, um gênio da lâmpada ou algo assim. Meio desacreditado com a vida fui tomar uma ducha quente para desenferrujar as articulações e, quem sabe, a alma. Lembro-me de minha mãe dizendo que qualquer dia eu pararia no hospital, em consequência dos meus banhos ferventes. Acho que ela me considerava um pouco louco, deveria ser por isso que mal me ligava. O estômago reclamou, o filho voltara agitado e com fome. De repente, um macarrão instantâneo nunca tinha me parecido tão atraente, seria ele minha refeição. Igualmente fora ontem, antes de ontem, semana passada, antes da semana passada... Antes e de uns anos para cá, sempre. Saciei-me e fui dormir.
Ou pelo menos tentar. Minha mente focava cada objeto empilhado que eu tinha no meu quarto, parecia que a qualquer momento criariam vida e devorariam meus pensamentos. Dormir, foco. Os ponteiros do meu despertador pareciam estar pesados, arrastavam os segundos um por um. Tic: amanhã eu precisaria pagar o aluguel. Tac: teria eu recebido o salário? Tic e tac. Os tempos eram difíceis, gasolina e inflação sempre em alta. Pois bem, eu teria que me render aos comprimidos novamente, meu cérebro não parava de maneira alguma de funcionar, apenas com os medicamentos. Talvez fosse um vício, talvez somente. Comecei a piscar, isso era bom. Seria o sono? Se sim, que viesse e se sentisse em casa. Era exatamente tudo o que eu aspirava: um abraço letárgico, o descanso efêmero.

A mulher peregrina.

Era uma noite trivial como qualquer outra, não esperava mais do que ressaca na manhã seguinte. Foi num bar no centro de Brasília, onde trombei com uma moça ruiva, um esbarrão embriagado que reviraria toda minha concepção de mundo. Seu nome era Marta, usava um vestido preto e batom escarlate. Os olhos cintilavam como duas bolinhas azuladas no rosto corado de sol.
Lembro-me muito bem que pouco falei sobre mim naquele encontro, em contra partida ela tagarelou sobre cada viagem que havia feito, capitais utópicas do estrangeiro. Detalhou seus passeios pela orla brasileira e a gastronomia de cada metro quadrado do país. Explicou a luta pela igualdade das mulheres paulistanas; o terror da seca nordestina e seus rastros de morte. Tentou se recordar de cada amor de Drummond que conheceu nos horizontes de Minas. Ensinou-me a melhor forma de degustar vinho e defendeu com garras e dentes a existência do Acre, pois ela já estivera lá. Escreveu num guardanapo as vinte melhores músicas para se ouvir ao pôr do sol. Enfureceu-se com meu desinteresse por política…
Voltei para minha quitinete aquela madrugada e penso nela desde então. Procuro aquele olhar em todos os céus, na neblina fico sem rumo. O Distrito Federal não era sua casa, aliás, nenhum lugar era. Marta pertencia ao vento, voava sem destino suficiente para saciar sua ambição. Malditos anos, memórias, nostalgia…
Provavelmente, em todo lugar onde ela passou existe uma taça de vinho vazia, um pedacinho de si para cada povo que conheceu e largou no passado. Por mais vil que seja minha crença, certamente enquanto a história da moça ruiva de olhos agudos peregrina a boca dos homens, a verdadeira Marta gira o mundo deixando saudade.

Dos males mundanos, morrem os homens.

O dinheiro proveitoso.
A vil mulher.
A bebida, o cigarro.
O sonho traído.
A noite faceira.
Beija o anjo caído.
Cai a eternidade derradeira.

Café amigo.

Eram dois corações partidos sentados na mesa de um café qualquer. Quentes apenas os cappuccinos instantâneos à frente, almas frias. Tagarelavam sobre como era a vida, mesmo sem chegar a conclusão alguma, se sentiam satisfeitos. O ombro, o braço, o abraço amigo. Surdos ao murmúrio alheio, estar ali já era o bastante.

domingo, 30 de junho de 2013

Lamento de um coração partido.

O rosto era entalhado no mármore, as maçãs delimitavam um sorriso estonteante, rosavam quando eu a fitava e os olhos não eram vazios como as estátuas clássicas, cintilavam. Lembro-me nitidamente daquele clarão ao me mirar e do meu peito se enchendo de contentamento, eu não conseguia imaginar nenhum lugar melhor para estar. Bons tempos eram aqueles que ela me pertencia… Gostaria dos dedos gelados e calculistas entrelaçados ao meu cabelo mal cortado, o som anestesiante da sua voz suave. Meu Deus, como eu sinto falta do humor de quimera, ácido e risonho simultaneamente – seria possível que algo tão sobrenatural existisse? Existia; porém agora só me restam suspiros e sonhos.

Noite dos mascarados.

Em lados opostos do salão, dois mascarados se entreolhavam discretamente, como se procurassem um alguém por meio da multidão fantasiada. Pierrôs em preto e branco balburdiavam ao redor das bailarinas, todas rendidas aos desejos da dança. Lá Colombina, acolá Arlequim. Ela de lábios rubros e ombros nus, ia de encontro com seu pomposo cavalheiro ao som de sublimes flautins. Entrelaçadas foram as almas dos dois palhaços, no contagioso ritmo circense. Os olhares enfeitiçados consumiam o compasso da valsa vienense.

Ter nome é ser gente?

Raimundo estava exausto de ser rima e foi tentar ser solução, porém respostas lhe faltavam. A cabeça oca e ignorante transbordava questionamentos. Resolveu ir ao cartório e mudou seu nome para Brás Cubas. Não deu tão certo quando gostaria… Nem ele conseguia explicar a palidez fúnebre e o humor negro em seus discursos. Quando o batimento pareceu falhar, correu para o cartório novamente – não poderia transmitir a nenhuma criatura o legado de sua miséria.
Bento seria; Bentinho para os mais próximos. Já Capitu o fitava, com seus olhos de cigana oblíqua e dissimulada, como se ele fosse presa. O homem limitou sua vida ao amor desenfreado e conheceu a desconfiança. Traído pela própria razão de existência, tentou ser gente pela última vez. De nada adiantou, pois José fez rimas e criou Raimundo, zombou dos outros como Brás e, por fim, ficou sem mulher igualmente Bentinho. E agora, José? Qual nome?