quarta-feira, 31 de julho de 2013

Bossa nova.


Um tapete estrelado inundava as noites místicas da bossa nova. Malandros sapateavam de bar em bar em busca de qualquer coisa fiada. A ociosidade era quase palpável nas calçadas cariocas ao som inconfundível do bonde apressado.  Poesias nasciam do encanto dos boêmios, melodias sussurravam nos ouvidos dos amantes. O samba era amor, o samba era saudade. O Cristo se rendia àquela vivacidade. E a orla salgada, aos navegantes.

quinta-feira, 25 de julho de 2013

Escritores.

Façam silêncio.
Silêncio por todos os poetas de bar e escritores de guardanapo.
Silêncio por todas as frases nos cantos dos cadernos.
Silêncio por todas as rimas apagadas ou simplesmente esquecidas.
Agradeçam.
Agradeçam todos os romances, crônicas, contos, poesias e fábulas.
Agradeçam todas as notícias, artigos, reportagens, teorias e opiniões.
Agradeçam todos os filmes, peças, séries, cantigas e musicais.
Aplaudam.
Aplaudam todos que já se foram com louvor e marcaram a história.
Aplaudam todos que ainda respiram e recriam a literatura todos os dias.
Aplaudam todos que apreciam a arte de escrever.
Aos escritores, minha eterna contemplação.

quarta-feira, 24 de julho de 2013

Violinista.

As nuvens cinzentas se fundiam com o horizonte. O cão revirava o lixo, o gato fazia deste um abrigo. A serragem típica de julho era um vapor gélido. Ruas vazias de gente, cheias de chuva. Ouvia-se apenas o correr dos carros e rios. Casas térmicas, famílias risonhas. O café era forte como almas e quente como sangue. Dividia-se o pão como se havia feito há milênios. Salvos pelo capital e condenados pelo mesmo. Ao menos alimentava o corpo. E a promessa de liberdade mantinha o espírito. Um gemido musical tomava o fundo da residência. Flores no jardim se maravilhavam com a melodia. O desespero consumia as notas. Era um grito de socorro, um choro de alegria. A filha mais nova manuseava o violino como se fosse artilharia. Bombas ilógicas, aplausos. A orquestra de uma só se encerrou dando lugar à vida.

segunda-feira, 22 de julho de 2013

Jabuticabal.

Havia um poema escrito naquele olhar.
Cativava a alma.
Buraco negro, cor de ébano,
tão profundo quanto conseguia ser.
Sincero e um tanto sagaz.
Era fechado à proporção que
abria um sorriso nos outros.
Ninguém era permitido decifrá-lo.
Tinha um tipo de brilho inocente
com um sei lá o que de malícia.
Ai, aquele olhar.
Eu seria capaz de cruzar oceanos para vê-lo novamente.
Percorri incontáveis jabuticabais
procurando frutos tão sorumbáticos quão os olhos daquele moço.
Nada encontrei.
Agora, olho o breu da madrugada,
desejando ser o pouso do corvo,
do corpo sombrio.

segunda-feira, 15 de julho de 2013

As flores e a Rosa.


Amei muitas criaturas,
cores, mulheres, flores dengosas...
Mas não, jamais, meus senhores,
tive o deleite de conhecer uma rosa.
Violeta era minha cigana mulata,
qual acreditava em baboseiras da sorte.
Um dia, leu meus lábios rachados
e junto deles avistou apenas a morte.
Ao raiar de mais um sol dormente
conheci a doce e bela Margarida.
Aconteceu que os zangões era muitos
e os cachos dourados logo deixaram minha vida.
Numa noite quente de Ipanema,
fui me deslumbrar por uma pinha.
Só podia ser fruto do infortúnio...
Era a garota do Poetinha!
Até nos abraços da Azaléia
meu coração continuou solitário e frio.
Não bastaram mil damas-da-noite
ainda estou vazio.
Portanto insisto em buscar desesperado
em todos os asteroides e roseiras
o vermelho enlouquecedor e atraente
de uma paixão verdadeira.

sábado, 13 de julho de 2013

Não é o fim do mundo (ainda).

Mesmo que a prosa tenha transmutado poesia
ou o amor se tornado melancolia,
o mundo não parou.
Mesmo que a plantação tenha secado
ou meu pileque acabado,
o fim não chegou.
Mesmo que eu tenha ido embora
ou o dentro virado fora,
o dia anoiteceu.
Por fim, nada importa,
pois a vida é essa estrada torta,
onde toda multidão um dia já se perdeu.

quarta-feira, 10 de julho de 2013

Impressionismo.

Eu via o infinito. A serra costurava o horizonte e se entrelaçava com a abóbada celeste. Quase como num quadro, verdes e azuis eram um só. A vista, muito melhor que a mais cobiçada paisagem de Monet, tinha meus próprios olhos. Cada nuvem transmitia um sonho, o cheiro de mato fresco lembrava infância...
A melodia serena não era quebrada pelo papaguear das pessoas. Ouviam-se apenas pardais, tico-ticos, tizius, bem-te-vis e o assovio da brisa gélida. Foram minutos de paz profunda, quando não existia amanhã, tão pouco ontem. Nada mais era relevante naquele momento, ele em si bastava para perdurar na eternidade.

quinta-feira, 4 de julho de 2013

A máquina de escrever.

Engraçado como depois de alguns anos qualquer som vira verso, pessoas nascem personagens e amores, poesia. Escrever passa a ser necessidade, uma torneira esquecida aberta que fica lá, com o fluxo inconstante, ora escorre ora pinga. O fardo de segurar a vida do leitor nas mãos aliena um pouco, nunca se sabe o que seus versos despertarão no outro. E a prosa? Ah, a prosa é solidão, é companhia. Rosa é mulher, mulher é bicho, bicho fala, falar é melodia. Ser poeta dever sina ou anarquia, viver nesse barco a vela sem ter onde ancorar dá certo frio na barriga. Tudo ri, tudo rima. Até parece um beco sem saída, quatro paredes de um quarto lógico, a cama amarrotada, a fama descartada. Sem janelas para fora, apenas duas para dentro d’alma. Quinas na penumbra, a máquina meio enferrujada... Tec, letra. Tec, outra letra. Tec, mais uma. Tec, ponto final. Fim.

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Talvez fosse um vício.

Olhei meu reflexo no espelho do elevador e vi que a barba estava a fazer, minha gravata frouxa, minhas olheiras mais profundas do que nunca... Eu precisava ir para aquilo que chamava de casa. Fui rastejando até o carro, abri a porta num ranger violento e me joguei no assento de quase concreto. Após uns dez longos minutos de resmungos, a lata velha resolveu funcionar e segui para o congestionamento paulistano. Pensei em passar numa lanchonete, mas naquela altura do campeonato, depois de duas horas buzinando, minha fome havia sido arrancada como se tira o filho dos braços maternos: sadicamente.
Ao subir as escadas deparei com o vizinho e uma de suas companheiras, ela tinha uma beleza forçada e olhar desesperado, gritava por uma saída daquela vida fútil e vulgar. O velhaco do apartamento (ironicamente) 51 tinha uma acompanhante por noite; eu sinceramente não sabia de onde saiam todas aquelas mulheres... Parei de frente a minha porta, suspirei e girei a chave.
O ar úmido e frio era o mesmo, o qual deixei pela manhã... Eu realmente esperava algo de novo, um gênio da lâmpada ou algo assim. Meio desacreditado com a vida fui tomar uma ducha quente para desenferrujar as articulações e, quem sabe, a alma. Lembro-me de minha mãe dizendo que qualquer dia eu pararia no hospital, em consequência dos meus banhos ferventes. Acho que ela me considerava um pouco louco, deveria ser por isso que mal me ligava. O estômago reclamou, o filho voltara agitado e com fome. De repente, um macarrão instantâneo nunca tinha me parecido tão atraente, seria ele minha refeição. Igualmente fora ontem, antes de ontem, semana passada, antes da semana passada... Antes e de uns anos para cá, sempre. Saciei-me e fui dormir.
Ou pelo menos tentar. Minha mente focava cada objeto empilhado que eu tinha no meu quarto, parecia que a qualquer momento criariam vida e devorariam meus pensamentos. Dormir, foco. Os ponteiros do meu despertador pareciam estar pesados, arrastavam os segundos um por um. Tic: amanhã eu precisaria pagar o aluguel. Tac: teria eu recebido o salário? Tic e tac. Os tempos eram difíceis, gasolina e inflação sempre em alta. Pois bem, eu teria que me render aos comprimidos novamente, meu cérebro não parava de maneira alguma de funcionar, apenas com os medicamentos. Talvez fosse um vício, talvez somente. Comecei a piscar, isso era bom. Seria o sono? Se sim, que viesse e se sentisse em casa. Era exatamente tudo o que eu aspirava: um abraço letárgico, o descanso efêmero.

A mulher peregrina.

Era uma noite trivial como qualquer outra, não esperava mais do que ressaca na manhã seguinte. Foi num bar no centro de Brasília, onde trombei com uma moça ruiva, um esbarrão embriagado que reviraria toda minha concepção de mundo. Seu nome era Marta, usava um vestido preto e batom escarlate. Os olhos cintilavam como duas bolinhas azuladas no rosto corado de sol.
Lembro-me muito bem que pouco falei sobre mim naquele encontro, em contra partida ela tagarelou sobre cada viagem que havia feito, capitais utópicas do estrangeiro. Detalhou seus passeios pela orla brasileira e a gastronomia de cada metro quadrado do país. Explicou a luta pela igualdade das mulheres paulistanas; o terror da seca nordestina e seus rastros de morte. Tentou se recordar de cada amor de Drummond que conheceu nos horizontes de Minas. Ensinou-me a melhor forma de degustar vinho e defendeu com garras e dentes a existência do Acre, pois ela já estivera lá. Escreveu num guardanapo as vinte melhores músicas para se ouvir ao pôr do sol. Enfureceu-se com meu desinteresse por política…
Voltei para minha quitinete aquela madrugada e penso nela desde então. Procuro aquele olhar em todos os céus, na neblina fico sem rumo. O Distrito Federal não era sua casa, aliás, nenhum lugar era. Marta pertencia ao vento, voava sem destino suficiente para saciar sua ambição. Malditos anos, memórias, nostalgia…
Provavelmente, em todo lugar onde ela passou existe uma taça de vinho vazia, um pedacinho de si para cada povo que conheceu e largou no passado. Por mais vil que seja minha crença, certamente enquanto a história da moça ruiva de olhos agudos peregrina a boca dos homens, a verdadeira Marta gira o mundo deixando saudade.

Dos males mundanos, morrem os homens.

O dinheiro proveitoso.
A vil mulher.
A bebida, o cigarro.
O sonho traído.
A noite faceira.
Beija o anjo caído.
Cai a eternidade derradeira.

Café amigo.

Eram dois corações partidos sentados na mesa de um café qualquer. Quentes apenas os cappuccinos instantâneos à frente, almas frias. Tagarelavam sobre como era a vida, mesmo sem chegar a conclusão alguma, se sentiam satisfeitos. O ombro, o braço, o abraço amigo. Surdos ao murmúrio alheio, estar ali já era o bastante.