quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Elefante branco.

Vivendo na penumbra da rotina.
Fugindo dos dias.
Isso que é existir!
Apenas.
Cumprindo a pena perpétua.
Sentença certa, sem hora marcada, sem pressa.
Pagando os erros meus.
Seus e nossos.
Crimes vira-latas, sem dono.
De todos.
O inferno na Terra, purgatório divino.
Condenados, nós, a respirar,
Sucumbimos.
Esforçamo-nos para fartar, portanto, os dias
de vinho, pão e regozijo.
Sem propósito algum, me satisfiz com isso.
"Viver ao extremo." - pensei.
Uma trilha de cachoeiras de adrenalina.
Regozijo, pão e vinho.
Tanto do último que dei de cara com a sarjeta.
Desfiz-me em migalhas de desespero.
"A vida é um elefante branco!" - gritei.
O feijão congelado na vasilha do sorvete.
O tapete persa na sala mesquinha.
A crise de abstinência.
Nicotina! Nicotina!
"A existência era meu trago ansiado..." - suspirei.
O labirinto de fumaça, o sofá, o vulgar, a inércia, o copo sem cachaça...
O cais do meu corpomentealma.
O azul jogado ao mar, o vermelho na garganta.
Viver é aceitar as sombras da existência.

segunda-feira, 11 de maio de 2015

Aqui jazem meus poemas.

"Aqui jazem meus poemas." - pensei eu olhando para a tela em branco do computador. Não havia mais sobre o que escrever. A mulher, o homem, a lua, o sol, o dia, a noite, a vida, a morte, a paixão, a dor. Tudo já fora registrado em algum dia ao longo da minha pequena trajetória literária.
Incrível. O que antes me aliviava, me dá taquicardia. Mãos suadas, desânimo. É um vazio completo no berço da inspiração. Roubaram minha criança e agora estou desamparada. Desolada. Cada palavra que tento digitar parece oca, sem sentimento. Cada parágrafo se torna a definição de vácuo. A diferença de pressão entre uma frase e outra é estratosférica. Aquela sensação estranha que a gente sente no ouvido ao descer a serra para o mar era de se enlouquecer. Nem o papel com a caneta - nem com esse encontro épico - saía algo que se quer tocasse alguém. Talvez fosse esse o problema. Eu parara de escrever para mim e começara a escrever para os outros. Não que isso fosse algo ruim, pois confortar alguém com suas próprias frases feitas é realmente uma sensação magnífica. Um pouco prepotente também, afinal palavras são apenas palavras. O que conta mesmo é o que a gente faz, não é? Aquelas pequenas coisinhas. Uma ligação de bom dia ou uma flor sem qualquer propósito. Pelo menos foi o que me disseram. Não presenciei essas coisas. Sempre fiquei enfurnada no meu apartamento escrevendo. Me disseram.
Palavras. É, no fundo, acho que tudo se resume à elas mesmo. Podem ser até apagadas do papel, mas ficam gravadas na memória das pessoas. São cicatrizes. Eu já estava marcada, como se tivesse escrito um livro com compasso na minha própria carne. Ou algo menos trágico, como uma tatuagem. Eterna. E por ser sempre tão visível, não conseguia pensar em novos traçados ou cores. Era só o preto sólido na minha pele de mármore. Poemas curtos, rimas vulgares e um tanto de nostalgia.

quinta-feira, 12 de março de 2015

Verticalidade.

Eu fiquei observando pela janela a chuva que caía discreta e mansa, na perfeita vertical. Como se ela tivesse aprendido a contornar os edifícios. Era uma visão geometricamente perturbadora e, ao mesmo tempo, linda. Um véu de água que escondia a cidade. Reconfortante também, devo admitir. Saber que, o universo, apesar de sua gloriosa imensidão, chorava por puro acaso. Os rios se empanturravam de lágrimas doces do céu, como meu travesseiro transbordava nas noites de saudade. Identifiquei-me com os intermináveis cinzas do teto do mundo. Atrás dele só mistério. Se ele podia , por que eu temeria em chorar quando me desse vontade? O salgado escorrendo do canto do olho ao queixo não precisaria mais ter razão satisfatória para os outros, apenas um fim para mim. Alívio: a chuva que ameniza o mormaço de fim de verão.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Nota sobre o Carnaval.

Está frio e é quase Carnaval. Ninguém parece notar tamanho paradoxo. É verão e visto um pijama de flanela. Isso soa um tanto peculiar, não é mesmo? O céu está cinza e chove o que não choveu um ano inteiro. E daqui alguns dias vai ter gente - muita gente - colorindo a Sapucaí. Verde e rosa, branco e azul, frio e temporal. Se bem que não importa. No Carnaval nada importa. Só o samba: a saudade cinza que se transforma em milhares de confetes fantasiados.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Faces de um amor à distância.



a rouquidão dos meus versos esfarrapados
a desculpa do meu corpo
o perdão da guerra interior
o perfume da rosa de papel crepom
minha abstinência literária
os feriados que prolongam a vida
um ônibus lotado de saudade
uma estrada melancolicamente esburacada
a vaidade do espelho
as lágrimas doces
a alma corrompida
o segredo na carteira
os discos na parede
a esperança das horas
o vilão mais altruísta
o chorinho mais feliz
meu filtro de sonhos de cabeceira
o abraço de um vestido azul
um aconchego topázio
a metade da laranja na minha maçã
a uva no céu da boca
o rock 'n roll do peito
a batida do meu sangue
a vontade de acordar
o tédio da espera
o deserto do verão
o cangote do inverno
a selvageria da noite
a paz na solidão
o fogo nas despedidas
a paciência de Jó
a persistência do brasileiro
as loucuras dos meus suspiros
o sono pesado
os sonhos leves
os contos longínquos
a magia na simplicidade
a malícia de criança
o beijo do vampiro
o desespero dos atrasos
a importância do mundo
o prazer do mistério
o meu "bem me quer"
a chuva no molhado
a vida na terra irrigada
as músicas antigas
o suor do trabalho
a força de um touro
o toque profundo
a hipnose do meu tango
o meu amor
o meu grande amor.